Não dê flores aos mortos...

- Não dê flores aos mortos...
Certa vez ele dissera à filha enquanto todos jogavam suas flores no túmulo de um amigo que estava prestes a ser enterrado.
- Mas isso seria como uma homenagem pai. – A filha ressaltou. – O morto se sente privilegiado.
O pai foi obrigado a rir.
– Não há privilégio na morte querida, acredite. Coisas belas devem ser entregues à pessoas vivas.
Sorriu e olhou a filha de modo carinhoso.
- Pai, eu... – Ele não deixou que ela terminasse.
- Sem discussões, ou eu voltarei! – Ela riu discretamente, sem entender direito. 


– Flores são belas, refletem coisas boas, por isso nunca presenteie os que já foram assim.
Deixou bem claro a última palavra. – Quer presentear alguém, prestar uma homenagem, mostrar o quanto essa pessoa é importante para você? Faça isso enquanto ela ainda vive. – Quase gritou outra vez – Não deixe o tempo escapar. Mortos não recebem flores, filha, não enxergam, não sentem cheiro. Quando eu morrer, não deixe que joguem nenhuma pétala, ou eu volto para te assombrar!
Mas agora, enquanto acompanhava o cortejo fúnebre de seu pai e observava aquelas pessoas que nunca tinham demostrado qualquer afeto ou indício de amizade com ele, ela entendeu tudo afinal.

Por mais pessoas inteiras


Nunca consegui escrever sobre o meio termo. O meio amor, a quase história, o pouco tempo. Nunca me dei bem com metades, elas sempre pareceram-me tão vazias, incompletas, sem sentido. Sempre as tive como uma mentira, uma ideia inexistente. Ou eu amo ou não amo, odeio ou não odeio, sinto ou não sinto. Comigo sempre foi assim.
Não há espaço em mim para o meio amor, ou a meia felicidade. Meu coração é muito bem dividido, nele só cabe gente inteira, completa e feliz consigo mesma. Gente que vem com vontade e não procurando um depósito pra descarregar problemas de relações anteriores. Gente que vem pra somar e não esperando que eu a complete, ou vice-versa. Só pra deixar claro: não sou a metade de ninguém. Sou completamente inteira. Dona de mim, dos meus sonhos e das minhas escolhas. Sempre fui tudo ou nada, nunca me entreguei pela metade. Mergulho no mar ou fico na areia, mas nunca coloco apenas os pés na água. Porque sinceramente, ninguém merece receber alguém incompleto, que está ali e em um piscar de olhos já não está mais. Nós sempre queremos que a pessoa venha de braços abertos e coração leve. Com a mente cheia de experiências, mas com a bagagem vazia para ajudarmos a preencher.
Com o tempo aprendi que relacionamentos vazios não valem a pena, que por mais que a gente tente, tente, e tente de novo, se o outro não está tentando junto não adianta merda alguma. Que estar nessa situação é pior que estar sozinha, pois ao estar sozinha não crio expectativas de ser correspondida - em todos os sentidos. E cá entre nós, solidão não é problema algum, aliás, faz muito bem uma dose dela de vez em quando. Ou algumas doses, você que sabe.
A questão é a seguinte: qualquer relacionamento (casamento, namoro, enrola ou o que quer que seja) envolve mais de um indivíduo, portanto, há uma troca - de beijos, abraços, carinhos, prazer - de sentimentos, ou ao menos, deveria haver. Pois é essa mesma troca, essa reciprocidade, que sustenta a relação. Ninguém consegue sustentar uma relação sozinho, pode até tentar, mas com o tempo o fardo vai ficando cada vez mais pesado, e então percebemos que estamos carregando o mundo nas costas enquanto o outro só olha para o próprio umbigo. E não é para isso que estamos aqui. Se estamos com alguém, é por que queremos e gostamos de dividir nossas alegrias, nossas lágrimas e os acontecimentos que nos cercam. Pessoa alguma entra em uma relação para fazer tudo sozinha, seja em casa, na rua ou na cama.
Relacionamento é isso. É compartilhar, somar, crescer junto. Manter o equilíbrio. E se algum dia a balança pesar mais para um lado, é hora de tentar - juntos- ou dar adeus. Não entre nessa de tentar sozinho, pois é na certa, nadar, se debater e morrer na praia. E para quem está na dúvida, não vá á alguém inteiro se a pessoa vier até você pela metade. Ninguém merece a certeza de apenas um pezinho quando se joga de corpo inteiro. Pois quando você se entrega totalmente - sem medos, receios ou incertezas - espera que a pessoa faça no mínimo, o mesmo. Ao contrário, não se arrisque. Pois pessoas que vivem de meios não são felizes e muito menos, farão alguém feliz.